Geovana Cleres acusou o Sesc em 2013 de
repreendê-la por amamentar a filha. O caso originou uma lei sancionada neste
mês por Fernando Haddad.
A turismóloga Geovana Cleres, de 37 anos, costumava
levar sua filha Sofia, de 2 anos, para passar as tardes no Espaço Brincar (área
de convivência dedicada a crianças de 0 a 6 anos de idade) do Sesc Belenzinho,
na zona leste de São Paulo.
Em um desses dias, enquanto brincava com amigos, a
menina disse que queria mamar. A mãe imediatamente a pegou no colo para
amamentá-la, mas foi repreendida por uma funcionária, que exigiu a interrupção
do aleitamento e pediu que ela se dirigisse a outro espaço. O caso aconteceu
em novembro de 2013. Se fosse hoje, com a nova lei sancionada neste mês pelo
prefeito Fernando Haddad (PT), o estabelecimento poderia ser denunciado – e, em
breve, multado – pela conduta.
SAIBA MAIS
“Fiquei muito feliz com essa lei. A mãe que
amamenta precisa de apoio, precisa desse sentimento de acolhimento. O bebê tem
que mamar na hora que quiser, não tem que existir lugar nem horário ‘mais
adequados’ para isso. Acho ótimo que tenham se sensibilizado conosco. Tenho
consciência de que o ideal seria não precisarmos de lei, mas temos que entender
que, se não houver, as coisas não vão mudar. Ela traz a discussão à tona,
mostra que a amamentação é natural. Isso tende a diminuir casos como o meu”,
disse Geovana ao Terra .
A lei número 16.161, publicada em 14 de abril de 2015, determina
que “todo estabelecimento localizado no município deve permitir o aleitamento
materno em seu interior, independentemente da existência de áreas segregadas
para tal fim”. O texto prevê também que os locais que proibirem ou
constrangerem o ato em suas instalações estarão sujeitos à multa de R$ 500. Em
caso de reincidência, o valor dobra. Ela entrou em vigor na data de sua
publicação e tem, a partir dela, 90 dias para regulamentação.
Embora tenha sido aprovado recentemente, o projeto foi proposto
pelos vereadores Aurélio Nomura (PSDB), Patrícia Bezerra (PSDB) e Edir Sales
(PSD) logo após a denúncia de Geovana – que na época relatou o caso nas redes
sociais e o fez ganhar grande repercussão.
Em seu relato, a turismóloga contou ainda que,
quando foi repreendida, mesmo contrariada, interrompeu a amamentação e foi
até a monitora perguntar qual era o motivo da censura. Como resposta, ouviu que
ela deveria usar a Sala de Amamentação, pois fora dela “outras crianças
poderiam ficar olhando”. Além disso, foi informada de que adultos poderiam se
sentir “constrangidos” com a cena.
“Foi tudo muito rápido. Fiquei alguns segundos tentando processar
o que ela estava falando. Eu não conseguia entender. Fiquei sem ação.
Perguntei, então, se eu poderia dar mamadeira. Ela confirmou, e
fiquei ainda mais irritada. Por que aquilo? Aí fui, por curiosidade, até a Sala
de Amamentação. Era um quadradinho, um espaço minúsculo com uma poltrona, uma
pia, um micro-ondas e uma torneira. Não tinha como duas pessoas ficarem ao
mesmo tempo. Quando cheguei, por sinal, havia um pai dando papinha ao filho.
Ele ficou sem jeito, quis me dar o lugar. Depois disso tudo, resolvi registrar
a reclamação”, declarou.
A direção do Sesc, após alguns
dias, entrou em contato com a Geovana. Além de pedir desculpas, garantiu que
aquela não é a postura da empresa em relação ao aleitamento e disse ter se
tratado de uma falha de comunicação com a funcionária. Naquela mesma
semana, para reforçar a necessidade de discutir o tema, a instituição Casa da
Borboleta – que tem como bandeiras o apoio ao parto humanizado, à amamentação e
à maternidade/paternidade ativa – organizou um “mamaço” coletivo no local.
“A Geovana foi a sexta
mulher constrangida por amamentar em uma unidade do Sesc que tivemos
conhecimento. O que concluímos com isso? Que não foi simplesmente um equívoco
de uma funcionária, como o Sesc quis nos convencer, mas que era uma política
interna da empresa”, bradou a coordenadora da Casa da Borboleta Reila Miranda,
que é mãe de Maria, de 3 anos. “E os ‘mamaços’ foram importantes. Depois deles,
o Sesc assumiu compromisso conosco de mudar essa política. E mudou! Sempre
encontramos o gerente de lá e nossas conversas são sempre boas nesse sentido”,
completou.
Reila também elogiou a lei
sancionada pelo prefeito paulistano, mas com ressalvas. Para ela, o texto ainda
não conseguiu barrar os casos de privação de liberdade de amamentação das mães,
mas servirá como ferramenta para que ativistas como elas continuem – agora
amparadas na legislação – lutando pelo seu direito.
“Depois que a lei foi sancionada,
houve novos episódios como esse. Até por conta da burocracia; enquanto ela não
é regulamentada, não tem como ser aplicada. Não vai mudar tão rápido. Mas
o prefeito tê-la sancionado contribui para o processo de educação. Ela
está aí para eventual necessidade, para servir como ferramenta de luta. No
entanto, ainda não vencemos nossa batalha. Só venceremos quando o
aleitamento for reconhecido como um processo natural de nosso corpo, como
construção de vínculo entre mãe e filho. Para isso, precisamos mudar nossa
cultura. Precisamos de mais ‘mamaços’, de mais grupos de apoio a gestantes em
Unidades Básicas de Saúde (UBS)”, declarou.
Outros casos
O Sesc, porém, está longe de ser o único estabelecimento que passou por problemas relacionados à amamentação em público. Antes desse caso, em maio de 2011, a antropóloga Marina Barão foi proibida de amamentar seu filho Francisco, então com 3 meses, na entrada de uma exposição do Itaú Cultural. Na ocasião, uma atendente alegou que a prática não era permitida e disse que chamaria o segurança se ela não atendesse sua orientação.
Meses depois do caso de Geovana, em fevereiro de 2014, mais um acontecimento semelhante foi registrado na internet. A modelo Priscila Navarro Bueno recebeu reclamações de um segurança ao amamentar sua filha Julieta, de 7 meses, enquanto visitava uma mostra no Museu da Imagem e do Som (MIS). Ambas as situações resultaram em outros “mamaços” organizados por diversas famílias e organizações sem fins lucrativos. As duas também foram resolvidas com pedidos públicos de desculpas por parte dos estabelecimentos.
Fonte: Terra


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