Local
popular e setor mais barato do estádio, a "Geral" era também sempre
acolhedora; "Eles assistiam os jogos em pé, e com uma limitada visão do
campo, mas estavam no estádio. Participavam do jogo. Eram ouvidos. Algo que,
hoje, não acontece mais", explica Renato Martins, um dos diretores do
filme.
(Foto: Reprodução) |
O dia 25 de
abril de 2005 não foi um domingo comum. O almoço em família de muitos ficou
marcado por um acontecimento que estava prestes a acontecer, e que marcaria
para sempre a relação do brasileiro com o futebol: a "Geral" do
Maracanã iria acabar.
Local
popular, o setor mais barato do estádio era também o mais prejudicado visualmente:
os torcedores ficavam no nível do campo de pé, ou seja, quem queria luxo, que
passasse longe dali. Mas grande parte dos fanáticos torcedores,
principalmente de Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo ficaram viúvos da
Geral. Mas, qual é realmente o “tamanho” daquele monte de concreto?
Foi essa
pergunta que os diretores Pedro Asbeg e Renato Martins tentaram responder com o
documentário Geraldinos, que estreia no festival “É Tudo Verdade”, em São
Paulo, nesta quarta-feira (15).
Mesclando
depoimentos de torcedores e atletas que tiveram uma relação íntima com o setor,
o documentário busca resgatar algo que parece ter ficado em tempos pré arenas e
namings rigths. “Acho que o público da antiga Geral está com muita dificuldade
de ir aos estádios para assistir aos jogos do seu time. Alguns ainda conseguem
ir recebendo alguma ajuda, mas a maioria virou ex-Geraldino”, lamentou Renato.
A ideia do
filme surgiu em 2005, já na reta final de geral. O Maracanã iria ser fechado
para obras do Pan-americano de 2007 e, quando fosse entregue aos torcedores, a
geral não existiria mais. Martins e Asbeg foram assistir Flamengo e Fiburguense
no setor e, uma semana depois, voltaram com a câmara. Estavam convencidos que
teriam que fazer o registro daquilo que viraria lenda poucos meses depois.
“Nossa
pesquisa já era a própria filmagem, pois havia a urgência de registrar aquelas
pessoas dentro daquele espaço, antes que ele terminasse. Falamos tanto com os
torcedores tradicionais quanto com os que estavam ali pela primeira vez. Sabíamos
que existiam muitas histórias para serem contadas”, explicou Martins.
“Os moinhos
de vento ficavam pra fora”
Dom Quixote
de la Mancha é o herói pastelão da história de Miguel de Cervantes. Ao invés de
um corpo atlético, um já envelhecido. Ao invés de um fiel escudeiro pronto a
servir, o medroso Sancho Pança. Para o jornalista Lúcio de Castro, em
depoimento ao documentário, os Geraldinos eram os Dom Quixotes, metade loucos
metade heróis, que deixavam seus problemas ou, na analogia de Cervantes, seus moinhos
de vento, pra fora do Maracanã.
Edgard
Costa Filho é o nome do personagem mais marcante da Geral, na opinião de
Renato. No primeiro turno do campeonato carioca de 1982, o Flamengo vencia o
Fluminense por 3 a 0 no primeiro tempo. Edgard, tricolor desesperado, na
eminência de ver seu time tomar uma goleada histórica, invadiu o campo e se
ajoelhou perante a seu carrasco Zico e clamou por piedade. “De repente um cara
agarrou as minhas pernas e falou: 'pelo amor de Deus não faz mais gol no
Fluminense não, pô'”, conta Zico no documentário.
Os dragões
do dia-dia eram aceitáveis, mas aquilo já era demais. E de repente Edgard
ganhou super-homem. “Parece difícil pular do foço pra cá, mas a emoção faz com
que o torcedor voe. Eu voei da geral pro campo e não foi difícil não. (...) O
Zico fala disso até hoje, que se não sou eu ali o Flamengo ia dar uma goleada
histórica”, conta, orgulhoso de seus super-poderes.
Por que os
geraldinos não são mais bem vindos?
O progresso
está estampado na bandeira nacional. Junto dele está a ordem. Nosso hino nos
mostra como belo, forte, que não possui medo e outras palavras belas e bastante
complicadas.
O Maracanã,
sem dúvida, era um colosso. O maior do mundo. E mesmo com todo esse gigantismo,
sempre foi acolhedor e de todos. Os geraldinos eram os maiores expoentes disso.
"Eles assistiam os jogos em pé, e com uma limitada visão do campo, mas
estavam no estádio. Participavam do jogo. Eram ouvidos. Algo que, hoje, não
acontece mais", explica Renato.
O progresso
da Copa do Mundo no país atingiu em cheio grande parte dos frequentadores dos
estádios. O negócio do futebol hoje é caro demais e as "arenas"
precisam ser bancadas pela iniciativa privada por meio de consórcios com
grandes empreiteiras.
"Não
estamos falando apenas de arenas, mas de todo um modo de olhar para o futebol
não mais como um esporte, um entretenimento ou mesmo uma expressão cultural,
mas sim como um produto, algo comercial que visa o lucro acima de tudo. Excluir
torcedores e mudar todo o ambiente de um estádio com a gentrificação é apenas
um reflexo desse processo. Como explicamos no filme, o caminho são estádios
vazios e botecos com pay-per-view lotados", lamenta Asbeg.
Todas as
sessões do documentário são gratuitas. Confira as datas e exibições.
São Paulo
15/04 - Reserva Cultural - Avenida
Paulista, 900 - 20h
16/04 - Centro Cultural São Paulo - Rua
Vergueiro, 1000 - 17h
Rio de Janeiro
16/04 - Instituto Moreira Salles - Rua
Marquês de São Vicente, 476 - 20h
17/04 - Auditório BNDES - Avenida
República do Chile, 100 - 19h
18/04 - Instituto Moreira Salles - Rua
Marquês de São Vicente, 476 - 16h
15/04/2015 / Por Bruno Pavan / Da Redação
Fonte: Brasil de Fato
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