Em meio à crise econômica, uma
cidade no semiárido piauiense sem agência bancária vem lucrando com a situação.
Em São João do Arraial,
a 253 km de Teresina, a escassez do real provocou o aumento da circulação da
moeda própria, o cocal, cujo valor equivale ao real. Isso estimulou a economia
local, e a arrecadação do município cresceu R$ 500 mil em um ano, segundo a
prefeitura.
Emancipado desde 1996, a prefeitura
de São João do Arraial criou um banco comunitário para aumentar a circulação de
dinheiro na cidade. Antes da inauguração do Banco dos Cocais, que ocorreu em
2005, os moradores tinham que ir até Esperantina, a 20 km de distância, para
realizar procedimentos simples como sacar dinheiro da conta e pagar um boleto.
De acordo com o coordenador do Banco Comunitário dos Cocais, Mauro Rodrigues, a instituição é de responsabilidade da sociedade civil e tem reconhecimento do Banco Central, já que moeda circula somente dentro do município, um dos requisito estabelecidos pelo BC.
Além da distribuição da moeda, a instituição também paga os servidores da região, arrecada taxas públicas, como água e energia, e distribui benefícios como o Bolsa Família.
Mauro Rodrigues diz que economia da cidade cresceu com a implantação da moeda social, já que o dinheiro não pode ser gasto em outro lugar. Além disso, o banco incentiva a abertura de novos comércios.
Segundo ele, a crise econômica foi boa para a maior aceitação do cocal.
"Quando diminui a circulação de real, como na crise, há uma procura a mais pela moeda local. No período da greve dos bancos nacionais, por exemplo, os moradores de São João do Arraial não foram afetados. Quando nos Correios e Lotérica faltavam dinheiro, o Banco dos Cocais tinha, e isso faz uma diferença para a população que investe no cocal", explicou Rodrigues.
Cocal no comércio
A comerciante Siamara Cardoso Amorim, avalia que a cidade não foi afetada pela crise, porque o dinheiro local não deixou de circular e garante ter mais segurança usando o cocal.
"Com a crise, os moradores passaram a usar mais o cocal e até aqueles que eram mais resistentes ao uso da moeda local passaram a aceitá-la. Isso trouxe até mais segurança aos comerciantes, que são alvos de menos assaltos, porque o dinheiro só pode ser trocado na cidade", declarou.
Ainda de acordo com o coordenador do Banco dos Cocais, além da crise, outro fator que tem retirado de circulação o real na cidade é a postura dos comerciantes. Eles passaram a usar a moeda nacional somente para pagar os fornecedores, ficando com os cocais para o comércio local.
"Ano passado tínhamos C$ 25
milhões circulando em São João do Arraial. Atualmente o valor pulou para C$ 50
milhões – o que equivale à mesma quantia em real. É importante destacar que a
moeda não veio para substituir a moeda nacional, mas complementar, já que são
fabricadas notas de até C$ 10 para facilitar o troco", completou Mauro
Rodrigues.
Restrições
da moeda
A agricultora Maria Antônia
Carneiro, de 40 anos, recebe o Bolsa família no Banco dos Cocais. Desde a
implantação da moeda, ela não precisa ir até a cidade de Esperantina para
receber o benefício.
No entanto,
Maria lamenta os poucos serviços oferecidos no estabelecimento e a falta de
informação dos comerciantes na troca do dinheiro.
"Semana
passada precisei pagar um boleto no valor de R$ 1 mil, mas não consegui porque
o banco só aceita um limite inferior. Também solicitei uma simulação de
financiamento e tive o pedido negado pela funcionária, que pediu para procurar
uma agência na cidade vizinha. Outro problema é a desinformação de alguns
comerciantes que não aceitam trocar o dinheiro, porque os seus fornecedores são
pagos na moeda local. Muitas vezes passo semanas guardando real por real para
custear uma consulta fora", explicou Maria Antônia.
Às vezes é difícil trocar o
dinheiro porque falta moeda nacional no banco. Então o que recebo em cocal
gasto na própria cidade" Esperança Oliveira, empresária
A empresária
Esperança Oliveira vende passagens de ônibus para São Paulo e Brasília por C$
200 e C$ 250, respectivamente. Ela recebe dos clientes em cocal, mas precisa
repassar o mesmo valor em real para a empresa interestadual.
"Às vezes
é difícil trocar o dinheiro porque falta moeda nacional no banco. Então o que
recebo em cocal gasto na própria cidade e guardo o real para pagar as empresas
de ônibus", revelou.
População
segura
O ex-professor Lourival de Freitas, de 70 anos, acredita que a crise
afetou apenas uma parte da população da cidade. Ele recebe o valor da
aposentadoria em real, mas confessa que prefere utilizar o cocal por ter mais
segurança.
"Pelo real
está ruim, mas pelo cocal não. A crise que aperta aqui é o valor da água e
energia. Com a situação financeira do país, o dinheiro ficou mais na cidade e
os moradores de São João do Arraial passaram a utilizar mais o cocal. Outro bom
motivo para o seu uso é que ninguém tenta roubar o banco daqui, porque a moeda
só circula dentro do município. Eu mesmo ando mais com o cocal, porque se eu
tiver ele no bolso não serei roubado", declarou.
O aposentado
lembrou que no início da criação do cocal os moradores tinham medo porque
pensavam que a moeda iria desvalorizar diante do real, mas hoje tem o mesmo
valor e todo o comércio da cidade aceita a moeda.
11/12/2015 11h29 - Atualizado em 11/12/2015
12h54
(G1 PIAUÍ – TV CLUBE)
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