Fernando Reinach é biólogo e
colunista do jornal Estadão.
Quando um fungo se aloja debaixo da unha, uma bactéria no pulmão ou um
vírus no nariz, estamos sofrendo uma infecção. Um ser vivo invadiu nosso corpo
e está se reproduzindo no nosso interior. É uma doença infecciosa, pois muitas
vezes esses malditos seres vivos passam de um ser humano para o outro. Mas,
quando uma célula do nosso próprio corpo fica louca e começa a se dividir
raivosamente, dizemos que estamos com um câncer. No primeiro caso, o ataque vem
de fora. No segundo, de dentro. Mas a vida é mais complexa, e agora parece que
existe uma terceira classe de doença, o câncer infeccioso, quando uma célula
cancerosa passa de um indivíduo para o outro, se comportando como um agente
infeccioso. Antes de entrar em pânico, relaxe. Que se saiba, isso não acontece
em seres humanos.
O primeiro indício de que isso acontecia foi descoberto em 2006.
Células de um tumor que ataca o nariz dos agressivos diabos-da-tasmânia passam
de um animal para o outro durante as violentas brigas em que esses bichinhos se
envolvem. Assim, um tumor que estava crescendo no focinho de um animal, quando
é rasgado por uma mordida, sangra, células do tumor espirram com o sangue e são
depositadas em um corte no focinho do outro animal.
No mesmo ano foi descrito um caso semelhante em cachorros. Um tipo de
câncer que aparece no pênis dos animais é transmitido durante o ato sexual para
uma fêmea, onde se desenvolve e acaba sendo passado para outro macho. Tanto
nesse caso quanto no do diabo-da-tasmânia, de início os cientistas desconfiavam
que o câncer era causado por um vírus que passava de um animal para o outro
provocando um novo tumor, mecanismo bem conhecido (parte dos tumores de colo de
útero é causada por um vírus transmitido sexualmente, o papiloma vírus). Mas
não é isso que acontece nos cachorros e no diabo-da-tasmânia. Quando os
cientistas sequenciaram o genoma das células tumorais, descobriram que não
pertenciam ao animal no qual estavam crescendo, mas a outro da mesma espécie. Um
caso de câncer infeccioso.
Estudando tumores que aparecem em bivalvos marinhos, aqueles moluscos
com duas conchas, cientistas descobriram o mesmo fenômeno. Algumas espécies
desses animais têm alta frequência de tumores, algo entre três a cinco
indivíduos a cada cem coletados. Quando os cientistas sequenciaram parte do
genoma desses tumores descobriram que grande parte tinha um perfil genético
discordante do perfil genético do animal em que o tumor estava se
desenvolvendo. E mais que isso, que os tumores em muitos casos tinham o mesmo
perfil genético em muitos animais, sugerindo que eles se espalham na população
como se fossem um organismo infeccioso. Esse fenômeno já foi detectado em três
espécies de bivalvos.
Em uma quarta espécie de bivalvos os cientistas descobriram que os
tumores pertenciam a uma outra espécie de bivalvo. Essa é primeira vez que se
demonstra que células de um tumor passam de uma espécie para outra.
Essas descobertas vão incentivar os cientistas a investigar se o mesmo
fenômeno acontece em outras espécies. O fato é que parece que a distinção entre
doenças infecciosas e câncer já não é tão nítida. Como já disse, esse fenômeno
não foi detectado em seres humanos mas, se isso acontecer, em São Paulo estamos
preparados. O hospital que trata doenças infecciosas, o Emílio Ribas, fica ao
lado do Icesp, hospital que trata de pacientes com câncer. E ainda dizem que
nossos políticos não têm visão de futuro.
Fonte:
Estadão
>>> DIVULGAÇÃO <<<
Nenhum comentário:
Postar um comentário