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segunda-feira, 4 de julho de 2016

Câncer infeccioso, uma versão transmissível.


Fernando Reinach é biólogo e colunista do jornal Estadão.



Quando um fungo se aloja debaixo da unha, uma bactéria no pulmão ou um vírus no nariz, estamos sofrendo uma infecção. Um ser vivo invadiu nosso corpo e está se reproduzindo no nosso interior. É uma doença infecciosa, pois muitas vezes esses malditos seres vivos passam de um ser humano para o outro. Mas, quando uma célula do nosso próprio corpo fica louca e começa a se dividir raivosamente, dizemos que estamos com um câncer. No primeiro caso, o ataque vem de fora. No segundo, de dentro. Mas a vida é mais complexa, e agora parece que existe uma terceira classe de doença, o câncer infeccioso, quando uma célula cancerosa passa de um indivíduo para o outro, se comportando como um agente infeccioso. Antes de entrar em pânico, relaxe. Que se saiba, isso não acontece em seres humanos.


O primeiro indício de que isso acontecia foi descoberto em 2006. Células de um tumor que ataca o nariz dos agressivos diabos-da-tasmânia passam de um animal para o outro durante as violentas brigas em que esses bichinhos se envolvem. Assim, um tumor que estava crescendo no focinho de um animal, quando é rasgado por uma mordida, sangra, células do tumor espirram com o sangue e são depositadas em um corte no focinho do outro animal.


No mesmo ano foi descrito um caso semelhante em cachorros. Um tipo de câncer que aparece no pênis dos animais é transmitido durante o ato sexual para uma fêmea, onde se desenvolve e acaba sendo passado para outro macho. Tanto nesse caso quanto no do diabo-da-tasmânia, de início os cientistas desconfiavam que o câncer era causado por um vírus que passava de um animal para o outro provocando um novo tumor, mecanismo bem conhecido (parte dos tumores de colo de útero é causada por um vírus transmitido sexualmente, o papiloma vírus). Mas não é isso que acontece nos cachorros e no diabo-da-tasmânia. Quando os cientistas sequenciaram o genoma das células tumorais, descobriram que não pertenciam ao animal no qual estavam crescendo, mas a outro da mesma espécie. Um caso de câncer infeccioso.


Estudando tumores que aparecem em bivalvos marinhos, aqueles moluscos com duas conchas, cientistas descobriram o mesmo fenômeno. Algumas espécies desses animais têm alta frequência de tumores, algo entre três a cinco indivíduos a cada cem coletados. Quando os cientistas sequenciaram parte do genoma desses tumores descobriram que grande parte tinha um perfil genético discordante do perfil genético do animal em que o tumor estava se desenvolvendo. E mais que isso, que os tumores em muitos casos tinham o mesmo perfil genético em muitos animais, sugerindo que eles se espalham na população como se fossem um organismo infeccioso. Esse fenômeno já foi detectado em três espécies de bivalvos.


Em uma quarta espécie de bivalvos os cientistas descobriram que os tumores pertenciam a uma outra espécie de bivalvo. Essa é primeira vez que se demonstra que células de um tumor passam de uma espécie para outra.


Essas descobertas vão incentivar os cientistas a investigar se o mesmo fenômeno acontece em outras espécies. O fato é que parece que a distinção entre doenças infecciosas e câncer já não é tão nítida. Como já disse, esse fenômeno não foi detectado em seres humanos mas, se isso acontecer, em São Paulo estamos preparados. O hospital que trata doenças infecciosas, o Emílio Ribas, fica ao lado do Icesp, hospital que trata de pacientes com câncer. E ainda dizem que nossos políticos não têm visão de futuro.



Fonte: Estadão










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