Uns querem atualizar mantendo linha atual; outros pedem endurecimento.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 28 anos
nesta sexta-feira (13). Em vigor desde julho de 1990, a Lei 8.069/1990 estabelece os direitos e
deveres de garotos e garotas com menos de 18 anos, para os quais foram fixadas
medidas especiais de proteção e assistência a serem executadas, conjuntamente,
pela família, comunidade e Poder Público.
Passadas quase três décadas, o
ECA continua alvo de recorrentes críticas e polêmicas. De um lado,
especialistas apontam que o estatuto ajudou o país a concretizar uma cultura de
direitos relativos à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer,
formação profissional, cultura e de respeito à dignidade, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária em favor dos jovens. Mas para crianças e
adolescentes em conflito com a lei, resta um sistema socioeducativo superlotado
e incapaz de proporcionar reabilitação adequada.
De outro, críticos afirmam que
o sistema socioeducativo se tornou uma escola do crime e que o estatuto
proporciona impunidade a jovens em conflito com a lei. Como remédio, reclamam o
endurecimento da legislação, como a redução da maioridade penal e a ampliação
do tempo de internação, que hoje é limitado a três anos. Os críticos pedem mais
medidas de internação, enquanto os defensores do ECA entendem que o excesso
dessas medidas altera do espírito do estatuto.
Implementação do ECA
De acerta forma, a necessidade
de atualizar o ECA é reconhecido por críticos e defensores. “Os tempos mudam, a
sociedade muda e as legislações precisam sim, ser revistas de tempos em tempos.
Mas estas mudanças devem levar em conta o aperfeiçoamento dos direitos já
conquistados”, disse à Agência Brasil a professora e ativista pelos direitos
das crianças e adolescentes Irandi Pereira.
A especialista é contra
alteração no ECA neste momento por entender que o estatuto ainda não foi
integralmente aplicado pelo Estado brasileiro. “É uma inversão querer endurecer
a legislação subtraindo direitos quando estes ainda não foram totalmente
experimentados e não havendo dados que sustentem que isso seja eficaz”,
acrescentou Irandi, ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente (Conanda) e atualmente participante do Fórum Estadual de Defesa
dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente de São Paulo.
Para o advogado Ariel de
Castro, coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Conselho de Direitos
Humanos do Estado de São Paulo (Condepe), uma das razões para a falta de
implementação integral do ECA é a limitação orçamentária do Estado. “Boa parte
do que prevê o ECA ainda não foi implementado em razão disso. A obrigação dos
governos destinarem recursos, por exemplo, ainda não passa de uma ficção”,
afirmou.
Uma das consequências do orçamento
limitado é a falta de vagas no sistema. “As unidades de internação, a exemplo
do que acontece no sistema prisional, estão superlotadas e são alvo frequente
de denúncias de maus-tratos e até mortes”, afirmou Castro, citando um estudo
divulgado em 2016, pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
(Flacso), segundo o qual, em 2013, 29 crianças e adolescentes eram assassinadas
por dia, no Brasil. “Os jovens são muito mais vítimas que autores de atos
infracionais”, concluiu o advogado.
Entre os mecanismos não
implementados ou feitos de forma deficiente está o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (Sinase). “Lógico que há muitos problemas. Como há
também no cumprimento de outras políticas públicas. Por exemplo, temos
problemas estruturais no Sinase, que foi instituído em 2012 e envolve a
apuração de ato infracional e a execução de medidas socioeducativas por
adolescentes e crianças. Basta ver a forma como os adolescentes estão na
maioria das unidades do sistema para concluir que é quase como se estivessem no
sistema prisional, junto com os adultos”, criticou o presidente do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Marco Antonio
Soares.
Para Soares, no entanto, as
críticas são exageradas e as soluções propostas não resolvem o problema. “Não
concordamos com a ideia de que o sistema socioeducativo funcione como uma
escola do crime e que aumentar o tempo de internação ou reduzir a menoridade
penal vá resolver a questão da segurança pública”, afirmou.
Segundo ele, as estatísticas
apontam que, entre os jovens de 12 a 17 anos aos quais foram aplicadas medidas
socioeducativas, somente uma minoria cometeu crimes graves, contra a pessoa.
“Depois, porque nenhuma unidade da Federação teria recursos suficientes para
atender às necessidades da aprovação de tais medidas, como a construção de mais
unidades socioeducativas e contratação de pessoal”, concluiu o presidente do
Conanda.
Necessidade de revisão
Já para o deputado federal
Aliel Machado (Rede-PR), o ECA, apesar de bom “na teoria”, precisa ser revisto.
Relator da Comissão Especial sobre a Revisão das Medidas Educativas do ECA, da
Câmara dos Deputados, Machado propõe uma série de mudanças no ECA em relatório
apresentado em outubro de 2017.
A mais polêmica delas é a que
endurece as medidas socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei.
Pela proposta, que ainda não foi votada pela comissão, a internação imposta a
adolescentes a partir dos 14 anos que cometerem atos infracionais que
resultarem na morte da vítima serão aumentadas gradualmente, conforme a idade,
até o máximo de dez anos. Atualmente, o jovem só pode permanecer internado até
três anos – prazo máximo que o relator espera manter apenas para os jovens de
12 e 13 anos.
“Proponho medidas protetivas
mais eficientes, como a que garante a presença de um advogado ou defensor
público desde a primeira oitiva. Instituo regras de punição aos prefeitos e
gestores que não observarem os direitos das crianças e adolescentes. E proponho
que um percentual do Fundo Penitenciário seja destinado ao sistema
socioeducativo”, acrescentou o deputado, reforçando que “as crianças são muito
mais vítimas do que praticantes de atos infracionais” .
O deputado disse ainda que o
trabalho de ressocialização de adolescentes em conflito com a lei deve vir
acompanhadas de ações mais amplas. “A ressocialização de jovens e de adultos
faz parte de uma questão mais abrangente, que envolve diferentes aspectos
socioeconômicos. Se um adolescente cumprir medida socioeducativa e retornar ao
mesmo contexto, voltaremos a lhe oferecer as mesmas alternativas. E,
invariavelmente, a mais fácil, infelizmente, é a que o conduz a infringir a
lei”.
Lei avançada
Para a secretária nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, Berenice Giannella, o ECA é uma lei
avançada, reconhecida internacionalmente, e que proporcionou muitos avanços no
sentido da promoção dos direitos das crianças e adolescentes. A secretária, no
entanto, reconhece que o país ainda tem muito a avançar, “especialmente em
relação à questão da violência”, segundo ressaltou.
“A
criança e o adolescente brasileiro ainda são vítimas de várias formas de
violência, quer seja a violência sexual, física, a negligência, o bullying e a
violência letal, que é maior entre os adolescentes. Sobretudo entre os
adolescentes pobres e negros”, reconheceu a secretária em entrevista à TV NBR. “O grande desafio é que, como se trata de
uma política transversal, que envolve várias áreas, é preciso que todos
trabalhem juntos. Ministérios, governos estaduais, prefeituras, sociedade,
todos tem que convergir”, acrescentou a secretária.
Em nota, o Ministério dos
Direitos Humanos, ao qual a secretária nacional está vinculada, explicou que o
ECA é fruto de uma construção coletiva e incorporou à legislação brasileira
avanços previstos na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas,
concretizando os direitos e garantias que já tinham sido determinados na
Constituição Federal.
O ministério também lembrou
que, ao longo de quase três décadas, diversos aprimoramentos foram incorporados
à legislação brasileira, como a Lei da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), que
implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e
serviços para a primeira infância e a lei que instituiu o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (Sinase).
“Todo o conjunto de leis que
formam o Estatuto possibilitou as bases para a construção de políticas públicas
efetivas voltadas a crianças e adolescentes, que contribuíram para diversos
avanços”, sustenta o ministério, destacando os desafios para garantir a plena
efetivação do ECA e evitar retrocessos: “Após quase três décadas de vigência, o
Brasil continua mobilizado para que o ECA se mantenha como uma legislação
avançada e atualizada”.
EBC AGÊNCIA BRASIL
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