É fundamental que o prefeito conheça os conceitos
básicos sobre educação para entender o que compete à prefeitura, o que compete
às escolas e o que compete aos professores.
Por: João Batista Araujo e Oliveira
Para exercer sua
função, todo prefeito precisa entender os fundamentos básicos das várias áreas
de atuação da Prefeitura: abastecimento, saneamento, saúde pública, transportes
e mobilidade urbana, código de obras, contabilidade pública etc etc. Não basta
escolher as pessoas certas para cuidar de cada setor.
O prefeito precisa ter um
mínimo de informação e conhecimento sobre os setores e os interesses em jogo
para saber ouvir, avaliar e tomar decisões.
Isso também se aplica à educação. Não basta saber a
nota que o município tirou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb), é preciso entender o que leva o município a atingir uma determinada
nota. Não basta escolher um secretário por critérios de acerto de contas
político, lealdade ou mesmo competência. Quem responde perante a população é o
prefeito e sua equipe o faz apenas por delegação.
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Tratamos aqui apenas de dois conceitos fundamentais
para entender educação: o conceito de escola e o conceito de pedagogia. No
debate político e nos embates quotidianos da gestão da educação, esses dois
conceitos estão intimamente ligados.
Para que serve a escola? Em que consiste o debate? Há duas
correntes principais sobre esse tema.
Uma corrente advoga que a função principal da escola
é transmitir o patrimônio cultural acumulado pela humanidade, de forma que o
aluno conheça e aprecie o conhecimento produzido até hoje e seja capaz de
fazê-lo avançar.
O nome "ensino tradicional" ou "escola
tradicional" está associado à ideia de tradição, que tipicamente é
transmitida na forma das "disciplinas escolares". Essa corrente vem
perdendo terreno no último século, mas ainda é dominante na maioria dos países
desenvolvidos e em parte da América do Norte.
A outra corrente advoga que o objetivo principal da
escola é promover a auto-realização, tornar as pessoas auto-confiantes e
felizes. A escola deixa de ser responsável por transmitir a herança cultural
entre as gerações: seu objetivo agora é promover a "auto realização".
No limite isso significa liberar os alunos de deveres enfadonhos e repetitivos,
da disciplina e do rigor necessários para aprender, da aprendizagem de
conteúdos obrigatórios e introduzi-los a um mundo de aprendizagem livre de
coerções apoiado pela simpatia e encorajamento.
O professor torna-se um
apoiador, ajudando o aluno a descobrir por si mesmo o que - num certo sentido -
ela já sabia. Essa tradição firmou suas raízes a partir das publicações do
filósofo norte-americano John Dewey no início do século XX e foram introduzidas
no Brasil por Anísio Teixeira.
Paulo Freire aprofundou uma vertente dessa
corrente, ao criticar a ênfase excessiva da escola tradicional no que denominou
de pedagogia "bancária", representada pelo ensino e
"cobrança" de conhecimentos e conteúdos - cujo ensino estaria em
detrimento da formação do espírito crítico. Nessa vertente, o ensino vira
militância.
Na maioria das escolas hoje temos uma mistura dessas
duas versões, e essa mistura não costuma funcionar bem, pois no compromisso
entre elas perdeu-se a clareza sobre o que esperar da escola e o que cobrar
dela.
O que é pedagogia? O que é importante o prefeito saber a
respeito de pedagogia?
Pedagogia, no sentido tradicional, refere-se ao
conjunto de métodos e técnicas utilizados para promover o ensino. A pedagogia
tornou-se uma disciplina quando os países precisaram universalizar a educação
para fazer face aos desafios da revolução industrial, especialmente a partir do
século XVIII. Nesse sentido a pedagogia refere-se aos instrumentos do
professor/educador para exercer o seu ofício.
Atualmente, e especialmente no Brasil, a palavra
pedagogia assumiu diversos outros sentidos. Geralmente é usada no sentido mais
amplo, como sinônimo de "educação" ou até mesmo "ciência"
ou "ciências da educação". Assuntos com a definição da função da
escola e o que nela se deve ensinar - tema de natureza eminentemente política e
filosófica - costumam ser capturados e restritos ao debate pedagógico ou
considerados "reserva de caça" dos educadores.
Um exemplo claro é a
ideia, corrente no Brasil, de que cabe à escola e a cada professor decidir
sobre o que ensinar.
A perda de uma noção clara sobre o papel da escola
na sociedade aliada à confusão sobre o sentido e lugar da pedagogia tornou
disseminada a ojeriza cultivada no país à ideia de currículos, programas de
ensino ou qualquer tentativa de se organizar as redes de ensino.
Ao mesmo
tempo, o pensamento que se tornou hegemônico na educação defende uma autonomia
irrestrita das escolas e professores, até mesmo para estabelecer o que deve ser
ensinado em cada série escolar - e até mesmo há os que acham que ensinar é algo
secundário.
O monopólio da discussão e a adoção de ideias que se
tornaram quase hegemônicas também vem contribuindo para disseminar a ideia de
que educação é algo para os educadores e para os professores - e não
primordialmente para a sociedade e para os alunos. Três exemplos ilustram o
ponto.
Primeiro, todos os fóruns e "pactos" que se tornaram moda
realizar no Brasil ficam restritos a debates entre um subconjunto de educadores
pré-selecionados. Aqui e ali se fazem concessões para ouvir alguns grupos de
pressão apenas para cumprir tabela.
O processo de "debate" que levou
à aprovação da Lei do Plano Nacional de Educação é um exemplo disso. Segundo,
todas as "conquistas" alardeadas pelas corporações profissionais
referem-se a benefícios adquridos pela classe, não a avanços no desempenho dos
alunos.
Terceiro, nas inúmeras greves que ocorreram nas últimas décadas, a
greve sempre começa com uma lista de dezenas de reivindicações a favor da
escola pública. E a greve termina quando se faz o acordo salarial - sem
qualquer menção às demais questões.
Não se pode censurar os sindicatos e professores
para lutar por melhores salários e condições de trabalho. Nada mais justo, eles
existem para isso. Mas podemos censurar os governos e responsáveis pela
educação ao ignorar sua função e suas responsabilidades.
É pouco o que o prefeito
precisa saber sobre educação. Mas esse pouco é fundamental para entender o que
compete à Prefeitura, o que compete às escolas e o que compete aos professores.
Educação tem um único objetivo: assegurar o sucesso do aluno - que é a condição
de sobrevivência da espécie, da nossa sociedade.
João
Batista Araujo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa e
Beto
Fonte: veja.abril.com.br
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