Entre lixo
amontoado em ruas de terra batida e água putrificada, no Sambizanga, na capital
angolana, dançar kuduro corre no sangue, mas é agora também para os meninos do
bairro uma esperança para o estrelato e para uma vida melhor.
"Eu digo que nasci para ser uma estrela. Isso é que
me cativa, é que me faz ser um músico, feito no Sambizanga", conta à Lusa
"Papai Kiala", menino de 17 anos, nascido e criado com a avó naquele
bairro de Luanda, onde brincar - algo que acaba cedo - é na rua, entre garrafas
de plástico, latas e um cheiro nauseabundo de lixo por recolher, não se sabe
bem desde quando.
Este é considerado um dos berços do kuduro, dança e música
urbana angolana, envolvendo por vezes letras de intervenção social, que nasceu
em Luanda durante a guerra civil que assolou o país até 2002. Por aqui, no
Sambizanga, multiplicam-se dançarinos, cantores e grupos.
A projeção crescente do estilo, muito à imagem do hip-hop,
mas que já é imagem de marca de Angola, cria oportunidades para alguns e a
ilusão para muitos.
"Nagrelha" e "Os Lambas" são apenas os
mais recentes nomes que o bairro deu para o kuduro.
Na "rua do Mantorras", onde vivia o antigo
futebolista do Benfica, de Portugal, as casas são de construção frágil,
assentadas em blocos simples, sem água potável e só às vezes com eletricidade,
nem que seja ‘puxada' do vizinho. É assim que vivem milhares de pessoas.
Por ali todos procuram o mesmo estrelato do futebolista ou
de outros conhecidos kuduristas, e a fuga a uma vida com dois ou três dólares
por dia. "Papai Kiala" compõe as letras, inspiradas nas dificuldades
do dia-a-dia ou nas mulheres lá de casa, canta e dança e kuduro, enquanto
insiste que será uma dessas estrelas, num dia não muito distante.
"Tenho o dom e tenho força", afirma, sem mostrar
qualquer dúvida num rosto coberto de suor, após horas de ensaios nas ruas do
Sambizanga, ele que é dançarino de kuduro desde os sete anos.
"Inspiro-me nas minhas irmãs, nas zungueiras
[mulheres que vendem nas ruas], nos polícias, nos meninos de rua. E quero levar
o meu kuduro a todo o mundo", garante, enquanto segura telefone
celular que reproduz a batida que lhe serve de base à dança.
No Sambizanga, dança-se junto a uma improvisada parada de
ônibus, no meio de uma poça de água parada que cobre toda a rua principal ou
num armazém abandonado transformado numa espécie de salão de festas de kuduro.
Crianças, de cuecas e descalças, correm e brincam pelo bairro, com uma alegria
natural, alheia à realidade, por entre os primeiros passos na dança.
A tudo isto, e a gerações que se revezam no kuduro,
assiste orgulhosa a "mamã" Josefa, com os seus 49 anos, que aparentam
muitos mais. Leva quase três décadas no bairro e praticamente assistiu ao
surgir desta cultura angolana que movimenta milhares de jovens.
Sentada, numa cadeira fora de casa, além da alegria
contagiante, garante que esta é uma forma de os mais novos ficarem longe
dos problemas, dos assaltos, da droga.
"Digo-lhes sempre para fugirem dos problemas, para
brincarem, dançarem, e depois virem dormir. Quando há problemas, que fujam
deles", atira Josefa Quienda, num sorriso aberto, sempre ladeada dos
mais novos, os seus "filhos".
No bairro, os jovens kuduristas dividem-se por grupos,
orientados pelos mais velhos.
Algo nervosa, Olga Francisco, a "mãe grande" do
"staff Pombinhas", explica à Lusa que, hoje, mais do que uma dança, o
kuduro é uma "cultura" do bairro. Mas também uma esperança de futuro.
"Ao mesmo tempo, é uma forma de travar a
delinquência. E acho que tem resultado, a maior parte dos jovens já dança
kuduro e não se mete noutros problemas", assume, durante um ensaio que
reúne, como é hábito, jovens de todas as idades, entre coreografias quase
psicodélicas que testam o olhar mais desprevenido.
"Sinto-me bem quando danço, é uma adrenalina muito
grande", afirma Olga, que aos 36 anos lidera um grupo de dois kuduristas e
doze dançarinos que se inspiram nos problemas da rua para as novas criações.
É que pelo Sambizaga, bem ou mal, todos dançam, cantam e
sonham até com o estrelato. Mas sobretudo divertem-se, freneticamente, como se
não houvesse amanhã.
Criado em 03/05/15
14h51 e atualizado em 03/05/15 17h37
Fonte: EBC / Agência Brasil
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