Escolas com currículo flexível, ensino em diferentes
idiomas, aulas interativas: a mensalidade sai por até R$ 6,5 mil, mas todas têm
fila de espera.
São Paulo – Às 7 e meia da manhã, assim que chegam
à escola,
alunos de 11 anos recebem uma orientação da professora em inglês: o tema do dia
será meio ambiente e energia. Leem alguns textos sobre o assunto e, ainda em
inglês, fazem uma discussão em grupo. Em seguida, vão para um dos laboratórios
da escola e constroem, em conjunto, um aquecedor solar com garrafas de
plástico.
A próxima aula é sobre linguagem da computação e os alunos desenvolvem um
aplicativo que ajuda a controlar o consumo de energia durante o dia e permite
compartilhar dicas de economia nas redes sociais. Em seguida, vão para a
aula de matemática, ministrada em espanhol, e fazem cálculos sobre os impactos
da economia de energia no consumo de água. Esse é um dia típico numa das novas
escolas de educação básica que estão sendo abertas no
Brasil.
A escola em questão é a Concept, do grupo SEB, que tem unidades em
Salvador e Ribeirão Preto, no interior de São Paulo — mas é possível encontrar
escolas com jeitão muito parecido em São Paulo e no Rio de Janeiro. Elas seguem
as técnicas de ensino adotadas em algumas das escolas tidas como as mais
modernas do mundo, muitas delas localizadas na Finlândia e nos Estados Unidos.
Como dá para ver pelo exemplo acima, a rotina dos alunos é bem diferente do dia
a dia das instituições tradicionais e empresários do setor de educação no Brasil estão tentando montar um
modelo de negócios em torno disso.
Diferentemente do que aconteceu no mercado
brasileiro de ensino superior na última década, quando a meta das principais
empresas era crescer e sair comprando concorrentes (com uma bela ajuda do
financiamento estudantil público), a grande onda do momento nos grupos de
educação básica é convencer os pais de que estão colocando seus filhos na
escola do futuro. O jogo, portanto, não é de escala, mas de qualidade, preço
alto e rentabilidade idem.
Nesse modelo, ganha-se dinheiro cobrando caro — as
mensalidades variam de 4 000 a 6 500 reais —, e não por meio das sinergias geradas pela escala. “Na
educação básica, os alunos podem ficar até 17 anos na escola e há menos
desistências do que nas faculdades, porque os pais fazem questão de manter os
filhos estudando em boas instituições”, diz Chaim Zaher, fundador do grupo SEB.
Ele vendeu sua participação acionária na rede de ensino superior Estácio para a
concorrente Kroton no ano passado (o negócio ainda aguarda a análise do Cade) e
vai investir ao todo 270 milhões de reais na Concept, hoje sua grande aposta —
já foram investidos 170 milhões.
O plano é abrir, em 2018, unidades em São Paulo
(onde já comprou e está reformando o imóvel onde ficará a escola), no Rio de
Janeiro e até em Palo Alto, no Vale do Silício. “Queremos que nossos alunos
tenham essa experiência internacional, que deve se tornar cada vez mais
importante para definir a vida profissional”, diz Thamila Zaher, diretora
executiva do SEB e uma das filhas de Chaim. Uma de suas concorrentes — que
segue um modelo de ensino bastante parecido — é a Eleva, que fica no Rio de
Janeiro e pertence ao grupo Eleva Educação, cujo sócio majoritário é o fundo
Gera Venture Capital, controlado pelo empresário Jorge Paulo Lemann. A escola
foi aberta em 2017, tem 360 alunos e a meta é dobrar de tamanho até o próximo
ano.
O surgimento de mais opções para filhos de pais
dispostos a apostar em modelos educacionais novos está acirrando a competição
nesse nicho. Novas escolas estão sendo inauguradas e quem já estava nesse
mercado decidiu investir para crescer. É o caso da Lumiar, do empresário
Ricardo Semler. Fundada em 2002, a escola foi eleita uma das mais inovadoras do
mundo pela Unesco em 2007 e passou mais de uma década com três unidades, uma na
cidade de São Paulo e duas em Santo Antônio do Pinhal, no interior paulista.
Em 2016, Daniel Castanho, presidente da rede de
ensino Anima, tornou-se sócio da Lumiar, e ele e Semler colocaram em andamento
um plano de expansão. Em um ano, foram inauguradas duas novas unidades (em
Porto Alegre e mais uma em Santo Antônio do Pinhal). “Estamos avaliando se é
melhor continuar abrindo escolas ou criar um sistema de ensino e vender para as
instituições que querem seguir nosso modelo”, diz Castanho.
Outra pioneira é a Beacon, de São Paulo. Começou em
2010 com 16 alunos no bairro Alto de Pinheiros, hoje tem quatro unidades
com 620 alunos e está fazendo um investimento de 30 milhões de reais —
cerca de 60% são financiados pelo BNDES — para construir um campus com
capacidade para 1 200 alunos. Hoje, a Beacon só atende crianças até 12 anos. O plano é
abrir uma nova série por ano para atender até o ensino médio. “Existe uma
grande demanda dos pais por um ensino diferente e de alto nível. Mas a
contratação de professores qualificados que falem dois ou três idiomas é um de
nossos maiores de-safios”, diz Maria Eduarda Sawaya, uma das sócias da Beacon.
Novas profissões
Um dos grandes apelos dessas escolas é formar
estudantes para enfrentar os desafios de um mercado de trabalho em mutação —
numa era em que, com todo o saber humano disponível na internet, decorar a
estrutura dos hidrocarbonetos aromáticos talvez não seja tão importante assim.
No vídeo de apresentação da Concept aos pais interessados em matricular seus
filhos, há um trecho que diz que metade das profissões que estarão em voga
daqui a 50 anos ainda não existe.
Só Deus sabe se tantas profissões vão mesmo
desaparecer — mas claro que isso mexe com a ansiedade paterna. Essas escolas se
propõem a ensinar ao aluno as habilidades para aprender sozinho. Aprender
equações matemáticas, gramática e eventos históricos é só parte do que os
estudantes fazem. Em vez de esperar que todo o conteúdo seja apresentado pelo
professor, numa aula puramente expositiva, eles vão entender parte das
disciplinas na prática, em laboratórios equipados com impressoras 3D e
equipamentos de corte a laser, discussões em grupo ou mesmo dando aulas a
estudantes mais novos.
A ideia, quase um mantra nas apresentações dessas escolas,
é que fazer perguntas é tão importante quanto saber respondê-las. “Nossas aulas
têm duração variável, dependendo do tema. O objetivo é que o aluno tenha sempre
um momento para experimentar e desenvolver o conteúdo, e nesse momento as
ideias devem partir do grupo”, diz Vera Giusti, outra sócia da Beacon. Ela cita
como exemplo a construção de uma cisterna por um grupo de alunos do 5o ano: o
projeto surgiu durante uma discussão sobre escassez de água, e os alunos se
propuseram a fazer uma para a escola.
Além disso, a divisão entre as disciplinas não é
tão rígida como nas instituições tradicionais: um tema de história pode ser
explorado também nas aulas de português e matemática, o que ajuda a integrar o
conteúdo à realidade dos estudantes. “O ensino por meio de projetos gera mais
engajamento dos alunos”, diz Maria Helena Godoy, especialista em educação da
consultoria de gestão escolar Instituto Aquila.
O ensino de diferentes idiomas e a possibilidade de
estudar fora do país são outra aposta dessas escolas. Elas são diferentes das
instituições estrangeiras tradicionais, que existem há décadas no Brasil e
privilegiam um único idioma — como a Graded, em São Paulo, e as escolas
britânicas. Nas novas escolas, as disciplinas são ministradas de forma
alternada em inglês, português e, em alguns casos, também em espanhol. O
objetivo é que os alunos sejam fluentes nos três idiomas e continuem aprendendo
sobre cultura brasileira.
A escola americana Avenues, que fica em Nova York,
pretende abrir unidades em São Paulo em 2018 e em Londres e Pequim no futuro
para permitir que os alunos possam mudar de uma filial para a outra. “Os alunos
poderão estudar em diferentes lugares e aprender vários idiomas e culturas,
formando-se um cidadão global”, diz Alan Greenberg, um dos fundadores da
Avenues. Por fim, o currículo dessas escolas é flexível. Os alunos ficam de 8 a
10 horas na escola e têm de escolher matérias optativas, como robótica e
introdução a finanças. “Meio período não é suficiente para dar uma boa
formação. Os brasileiros ficam poucas horas na escola, na média, e isso se
reflete em notas ruins na comparação mundial”, diz Wilson Risolia, presidente
da consultoria Falconi Educação.
A ideia central dessas escolas não é nova. Fala-se
há décadas na importância de desenvolver a capacidade de aprender a aprender.
Pesquisas feitas nos anos 70 pelo americano James Heck-man, ganhador do Prêmio
Nobel de Economia, indicam que ter curiosidade, saber se planejar e trabalhar
em grupo para resolver problemas é tão ou mais importante para o futuro dos
estudantes do que aprender as disciplinas obrigatórias.
Somente nos últimos anos, porém, passaram a surgir
escolas que adotam esses princípios na prática. As principais ficam na
Finlândia, país que está há anos nas primeiras posições dos rankings mundiais
de qualidade de ensino e aprendizado. É verdade que algumas escolas
tradicionais também já começaram a mudar para seguir, pelo menos em parte, esse
novo modelo de ensino. Há menos aulas expositivas do que no passado, mais
laboratórios e a opção de permanecer na escola em período integral e cursar
disciplinas não obrigatórias.
Mas as mudanças são pontuais. “Esse é um modelo
ainda novo, nem todos os pais querem esse tipo de mudança”, diz Guilherme
Mélega, executivo da empresa de educação Somos, dona dos colégios Anglo 21 e
PH. “Além disso, é difícil combinar um ensino mais inovador com a exigência de
conteúdo para ter boas notas no Enem e no vestibular. Notamos que muitos alunos
querem ficar no Brasil e, por isso, essas provas são importantes”, diz Mauro
Salles Aguiar, presidente do Colégio Bandeirantes. O ranking de pontuação
no Enem ainda é um dos principais chamarizes das escolas brasileiras.
Por enquanto, há mais demanda que oferta por esse
tipo de ensino — há fila de espera para todas as escolas desta reportagem. O
desafio, porém, é expandir o negócio sem perder qualidade. Atualmente, a margem
de lucro das escolas de educação básica fica em torno de 20% — nas faculdades,
está em 30% em razão dos ganhos de escala. Hoje, praticamente todas as escolas
que apostam nesse novo conceito estão investindo em expansão, o que atrapalha a
rentabilidade. O lucro, esperam os empresários do setor, virá — ou a escola do
futuro não terá futuro.
Por Patrícia Valle
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