Fundada por um bilionário francês, "Airbnb da educação” oferece
formação gratuita na área de TI em Paris e na Califórnia.
São
Paulo — No clássico nerd “O guia do mochileiro das galáxias”, de Douglas Adams,
uma civilização constrói um robô inteligente que tem respostas para tudo.
Questionado sobre qual é o sentido da vida, ele dá uma resposta comicamente
inusitada: “42”.
Em homenagem à célebre brincadeira do livro, esse também é o nome
da primeira universidade do mundo sem professores,
estabelecida desde 2013 na França e desde 2016 na região do Vale do Silício,
nos Estados Unidos.
A referência nerd não é à toa:
a 42 oferece formação em disciplinas de tecnologia da informação (TI), como
programação de computadores e desenvolvimento de software.
Em vez de aulas tradicionais,
com um docente à frente da classe, a ideia é que os colegas ajudem uns ao
outros a elaborar seus projetos e, depois, atribuam-se notas mutuamente.
O sistema fez sucesso: desde a
sua fundação em Paris há quatro anos, os pedidos de inscrição têm superado a
quantidade de vagas disponíveis.
O nome por trás da iniciativa é
o do bilionário francês Xavier Niel, fundador e principal acionista da empresa
de telecomunicações francesa Illiad, coproprietário do jornal “Le Monde” e dono
da Monaco Telecom. Sua ideia é fazer da 42 uma espécie de “Airbnb da educação”.
Com patrimônio líquido estimado
em 8,1 bilhões de dólares, Niel subsidia integralmente a iniciativa: os
estudantes não têm que pagar nenhum centavo de mensalidade e a acomodação é
gratuita. A única condição obrigatória para se inscrever é ter entre 18 e 30
anos de idade.
De acordo com a BBC, ex-alunos da
42 hoje trabalham para empresas como IBM,
Amazon e Tesla, ou fundaram seus próprios negócios na área de tecnologia.
Como funciona?
A faculdade combina dois princípios
bastante populares entre pedagogos: o conhecimento passado de aluno para
aluno (“peer-to-peer learning”) e o aprendizado por meio de projetos. O
“detalhe” radical é a ausência completa de professores ou supervisores de
qualquer tipo.
De forma independente, o aluno
pode escolher entre uma série de projetos, como o design de um game ou de um
website, por exemplo, e começa a trabalhar com base em recursos disponíveis
gratuitamente na internet.
Para evoluir, ele precisa
buscar a ajuda de seus colegas de turma, que trabalham com ele numa grande sala
cheia de computadores. Um outro estudante será escolhido aleatoriamente para
avaliar o seu trabalho.
A evolução no
curso lembra a lógica de um game: os alunos “passam de nível” quando conseguem
completar um projeto e são considerados graduados quando atingem o nível 21, o
que costuma levar de três a cinco anos. Há um certificado, mas não um diploma
formal no final do processo.
Prós e contras
Para os
fundadores da universidade, o modelo tradicional de educação faz com que o
aluno se torne um receptor passivo do conhecimento transmitido pelo professor.
O sistema da 42 ajudaria a tirá-lo dessa zona de conforto.
“As empresas nos deram o
feedback de que os nossos ex-alunos são mais aptos a buscar informação por si
mesmos, em vez de pedir instruções para seus supervisores”, diz Brittany Bir,
diretora de operações da 42, à BBC.
De acordo com ela, a proposta
inusitada da faculdade dá confiança para que os alunos busquem soluções de
forma autônoma, criativa e por vezes genial.
Além disso, eles ganham jogo de
cintura para trabalhar em equipe, negociar e defender suas ideias. “Isso é
especialmente importante para programadores de computadores, que são famosos
por não terem certas habilidades sociais”, afirma Bir.
Por outro lado, a diretora da
42 admite que a metodologia não é para todo mundo. Para se dar bem numa
universidade sem professores, é preciso ter muita motivação, disciplina e
facilidade para administrar o próprio tempo.
Outro desafio está na relação
com os demais estudantes. Algumas pessoas já desistiram do processo por
causa dos atritos gerados com o grupo, causados justamente pela falta de
hierarquia. Afinal, aceitar uma nota baixa de um colega “igual” a você — e não de um professor — exige grandes doses de humildade.
Por
Cláudia Gasparini
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