Para pessoas com perfeita audição, ir a uma
consulta médica ou participar de uma audiência judicial nem sempre é uma coisa
simples. O que dizer então se a pessoa é surda, incapaz de ouvir perguntas e
orientações do médico ou as requisições do juiz? Esses foram exemplos de
dificuldades que os surdos precisam enfrentar ao longo da vida, como
registraram participantes de audiência pública realizada pela Comissão de
Educação, Cultura e Esportes (CE), nesta quarta-feira (23), para marcar a
passagem do Dia Nacional do Surdo.
A audiência pública, mais que celebrar o Dia
Nacional do Surdo - 26 de setembro -, serviu para discutir as barreiras ainda
existentes e novas medidas de acessibilidade. Como exemplo, a cobrança de mais
esforços na formação de intérpretes em Libras, a linguagem de sinais, além da
ampliação do número e reforço das equipes das Centrais de Interpretação. Outro
pleito é no sentido de que, para candidatos surdos, a prova do Enem seja
acompanhada por vídeo em Libras.
O evento foi proposto pelo senador Romário, que
preside a CE, com apoio de Paulo Paim (PT-RS) e Fátima Bezerra (PT-RN). Logo na
abertura, Romário assinalou que a sociedade demorou a acordar para a questão da
inclusão das pessoas com deficiência. No caso dos surdos, destacou a
incompreensão em relação à linguagem de sinais, com tentativas de trazer
forçosamente os surdos para o mundo da comunicação oral, já que a expressão em
sinais era vista “como um erro ou deficiência a ser corrigida”.
— Felizmente, essa abordagem foi sendo vencida à
medida que o conhecimento foi crescendo — disse o senador, reconhecendo na
linguagem Libras uma forma plena de expressão.
O recente Estatuto da Pessoa com Deficiência, que
consolidou antigos direitos e ampliou conquistas, atribui ao setor público a
responsabilidade pela oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira
língua e na modalidade escrita na Língua Portuguesa, em escolas e classes
bilíngues e em escolas inclusivas. Romário foi o relator do estatuto,
convertido na Lei 13.146 de 2015, no segundo exame da proposta no Senado.
Segundo censo realizado em 2010 pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 9,7 milhões de
brasileiros têm deficiência auditiva (DA), o que representa 5,1% da população
brasileira. Deste total, cerca de 2 milhões têm deficiência auditiva severa
(1,7 milhões têm grande dificuldade para ouvir e 344,2 mil são surdos), e 7,5
milhões apresentam alguma dificuldade auditiva.
Conquistas
O titular da Secretária Nacional de Promoção dos
Direitos da Pessoa com Deficiência da Presidência da República, Antonio José
Ferreira, destacou as conquistas a partir do início dos anos 80, quando os
movimentos de pessoas com deficiência se organizaram no país. Citou a cotas no
mercado de trabalho; o Benefício da Prestação Continuada, pago a quem tenha
deficiência e a família não possa manter; a legislação que regulamentou o
ensino de Libras; e a lei que garantiu vagas obrigatórias no serviço público.
Por fim, lembrou Ferreira, veio esse ano a edição do Estatuto da Pessoa com
Deficiência.
Em relação à pessoa surda, Ferreira reconheceu que
o grande desafio é vencer as barreiras de comunicação. Segundo ele, uma
audiência na Justiça pode ser muitas vezes adiada por falta de intérpretes em
Libras. Salientou, porém, os esforços para ampliação das Centrais de
Intérpretes: já existem 32 em todo o país e mais 22 para serem colocadas em
funcionamento. As centrais são criadas por meio de convênios do governo federal
com estados e prefeituras. Quando necessitar, uma pessoa surda pode agendar o
acompanhamento de um intérprete para atos importantes.
— É uma iniciativa importante e confesso que ainda
é pouco, mas a população que tem recebido o serviço tem aprovado o trabalho
feito — comentou.
Políticas federais
Suzana Maria Brainer, do Ministério da Educação,
também citou as ações da pasta em favor da inclusão educacional de estudantes
com deficiências. Entre outras, citou as salas especiais de recursos dentro das
escolas regulares, a parceira com o SUS para garantia de aparelhos auditivos e
implantes cocleares e a formação e certificação de professores e interpretes em
Libras.
Segundo ela, em 12 anos houve aumento de 381% na
inclusão de alunos com deficiência no ensino básico, com matrículas que chegam
agora a 700 mil. Desses, 35 mil são surdos e 184 mil têm diferentes graus de
deficiência auditiva. Admitiu, de todo modo, que ainda “existe um longo caminho
a trilhar”.
Outro a reconhecer os avanços foi Filipe Trigueiro
Xavier Correia, suplente do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência. No
passado, observou, poucos surdos estudavam e os que tinha acesso ao ensino
paravam precocemente os estudos. Porém, reclamou da falta de compreensão do
Ministério da Educação em relação ao interesse de parcela dos surdos no acesso
a escolas especializadas, bilíngue em Libras e Português.
— Ninguém vê como segregação a existência de uma
escola bilíngue em Português e outras língua estrangeira, mas quando a
gente fala em escola bilíngue em Libras o ministério diz que é segregação. Qual
a diferença? São duas línguas da mesma maneira - sustentou.
João Paulo Miranda, diretor da Federação Nacional
de Educação e Integração dos Surdos, também criticou a política do Ministério
da Educação de estimular matrículas em escolas regulares, a seu ver uma
política de “inclusão agressiva”. Para as entidades, nas escolas especializadas
o aluno surdo evolui mais facilmente, já que a maioria não é oralizada (não
consegue falar). Assim como Filipe Correia, ele cobrou ao Ministério da
Educação que a prova do Enem, para surdos, contenha vídeo com apresentação das
questões em Libras.
Língua nº 1
O presidente da Associação dos Pais e Amigos dos
Deficientes Auditivos, Marcos de Brito, sustentou que uma pessoa com grau de
surdez mais severa, mesmo com uso de aparelho, não vai alcançar o limiar da
fala. Por isso, disse ele, os gestores públicos e as próprias famílias devem
entender que a língua de sinais sempre será “a língua nº 1 do surdo”. Também
criticou a reduzida estrutura da Central de Intérpretes de Brasília, com apenas
três tradutores.
Participou ainda da audiência o diretor-geral do
Instituto Nacional de Educação dos Surdos, centro de referência na formação de
professores em Libras, que também tem um colégio de aplicação, apenas com
alunos surdos. Conta também com uma Faculdade de Pedagogia, com metade de
surdos e outra de alunos sem deficiência auditiva. No ano que vem, segundo ele,
o instituto estará atuando em 12 polos de ensino e também oferecendo novo curso
de Pedagogia na modalidade a distância.
A data escolhida para o Dia Nacional do Surdo se
refere ao dia de criação da primeira unidade do Instituto Nacional de Educação
dos Surdos, no Rio de Janeiro, em 1857. Em 10 setembro, é comemorado ainda o
Dia Internacional das Línguas de Sinais. Setembro é também considerado o mês
mundial das lutas dos movimentos dos surdos, que adotaram a cor azul como
símbolo. Romário se comprometeu a propor à direção do Senado que no dia 26 a
cúpula do Senado seja iluminada em azul.
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