Descoberta recente aproxima doença do “desafio do balde de gelo” da
possibilidade de cura.
Rio de Janeiro. Doença que
vem recebendo grande atenção nos últimos anos – especialmente com o “desafio do
balde de gelo”, que tomou a internet em 2014 –, a Esclerose Lateral Amiotrófica
(ELA) está mais perto do que jamais esteve de uma possibilidade de cura. Um dos
grandes obstáculos para entender como essa doença neurodegenerativa surge é o
fato de os cientistas não saberem que tipo de relação entre as células faz os
neurônios motores morrerem.
O mistério, porém, terminou nesta segunda.
Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte, nos
EUA, divulgaram a primeira descrição científica de como as proteínas neuronais
se aglomeram em um composto tóxico que torna a célula doente e, por fim, a
mata.
Publicado na edição online da revista “Proceedings
of the National Academy of Sciences”, o estudo é considerado um passo crucial
para o desenvolvimento de drogas que possam interromper a formação desses
aglomerados e deter a progressão da doença, que costuma ser severa. Pacientes
com ELA sofrem paralisia e morte precoce, em consequência da perda de neurônios
motores, que são essenciais para se mover, falar, engolir e respirar.
Medicamentos
Com o mistério
sobre o surgimento da doença aparentemente resolvido, cientistas se mostram
esperançosos com a possibilidade de um controle sobre este e outros males
neurodegenerativos. “Um dos maiores enigmas da saúde tem sido como lidar com
doenças neurodegenerativas. Ao contrário de muitos tipos de cânceres e outras
condições, nós não temos, no momento, qualquer poder contra essas doenças”,
destacou o autor sênior do estudo, Nikolay Dokholyan, professor de bioquímica e
biofísica na Universidade da Carolina do Norte.
A pesquisa se concentra em um subconjunto de casos
de ELA que estão associados a mutações em uma proteína conhecida como SOD1. Os
pesquisadores descobriram que a SOD1 cria aglomerados temporários de três
moléculas, conhecidos como trímeros, capazes de matar células neuronais motoras
cultivadas em laboratório.
“Sabendo como esses trímeros são, podemos tentar
projetar drogas que iriam impedir a formação deles ou sequestrálos antes que
eles possam causar danos. Estamos muito animados com as possibilidades”, disse
Elizabeth Proctor, autora principal do estudo.
A relação entre a ELA e mutações da proteína SOD1
foi observada ainda no início dos anos 1990. Entretanto, a forma exata pela
qual a proteína se agregava demorou mais de duas décadas para ser identificada.
Para desvendar o mistério de como é a aparência desses aglomerados e como eles
afetam as células, a equipe de pesquisa usou uma combinação de modelagem
computacional e experimentos em células vivas. Elizabeth passou dois anos
desenvolvendo um algoritmo personalizado para determinar a estrutura dos
trímeros.
Uma vez que a estrutura dos trímeros foi
estabelecida, a equipe passou vários anos desenvolvendo métodos para testar os
efeitos dos trímeros em células neuronais motores cultivadas em laboratório. Os
resultados foram claros: proteínas SOD1 que se ligaram em trímeros foram letais
para as células neuronais motores, enquanto as outras proteínas SOD1 não
prejudicaram o organismo.
Daqui para frente,
a equipe pretende investigar a “cola” que mantém as trímeros unidos, a fim de
encontrar drogas que possam separálos ou evitar que eles se formem.
ELA
no Brasil
Dados. No Brasil, há 12
mil casos de ELA, segundo a Associação Brasileira de Esclerose Lateral
Amiotrófica (Abrela). A doença costuma afetar pessoas acima dos 50 anos, sem
causa definida.
Multidisciplinar
Como ainda não há
cura, o tratamento da ELA deve ser multidisciplinar e envolver profissionais
das seguintes áreas:
Neurologia Para avaliar as
funções dos neurônios motores e prescrever medicação.
Fisioterapia e
terapia ocupacional Para ajudar na mobilidade do paciente.
Nutrição Para acompanhar a
alimentação, que poderá ser feita por meio de sondas.
Cardiologia Porque o paciente
pode ter suas funções cardíacas comprometidas.
Psicologia Para ajudá-lo a
encarar com a mente sã as dificuldades da doença.
Importante também
para outras doenças
Rio
de Janeiro. Além de ser um passo fundamental nas
investigações sobre a ELA, esta descoberta pode, de acordo com os autores do
estudo, ajudar a lançar luz sobre outras doenças neurodegenerativas. A clareza
sobre como as proteínas neuronais se aglomeram em um composto tóxico que torna
a célula doente e, em seguida, a mata, pode auxiliar a desvendar mistérios
relacionados a males como o de Alzheimer e o de Parkinson, entre outras
doenças.
“Há muitas semelhanças entre as doenças neurodegenerativas”, ressaltou o
professor de Bioquímica e Biofísica na Universidade da Carolina do Norte
Nikolay Dokholyan. “O que nós encontramos aqui parece corroborar o que já se
sabe sobre o Alzheimer, e se pudermos descobrir mais sobre o que acontece na
ELA, existe potencial para compreender as raízes de muitas outras doenças
neurodegenerativas”.
Identificar a
doença é primeiro obstáculo
Rio
de Janeiro. Antes de enfrentar o desafio de sobreviver, o
primeiro obstáculo do portador da ELA é ter o diagnóstico, que demora pelo
menos um ano para ser feito por poder ser confundido com outras doenças
neuromotoras, como Alzheimer e Parkinson.
“Muitos casos de ELA passam primeiro no ortopedista, mas é o neurologista que
tem habilidade para detectar suas características já no exame clínico (no
consultório) e pedir os exames necessários que indicarão a doença”, diz o
neurologista José Luiz Pedroso, professor afiliado do Departamento de
Neurologia da Unifesp. Um método chamado eletroneuromiografia avalia por meio
de estímulos elétricos de baixa intensidade – como pequenos choques – os nervos
e os músculos, com auxílio de agulhas, mas o procedimento pode ser doloroso.
Raro. Portador da doença mais conhecido mundialmente, o físico
britânico Stephen Hawking, 73, descobriu o problema aos 21 anos. Na época, os
médicos chegaram a dizer que ele teria apenas alguns anos a mais de vida.
Hawking, no entanto, não só superou as sombrias previsões como se tornou um dos
cientistas mais respeitados do mundo depois do diagnóstico, apesar das limitações
físicas impostas pela ELA. Sua história foi contada no filme “A Teoria de Tudo”
(2014), de James Marsh.
No ano passado, o “desafio do balde de gelo”, proposto para levantar fundos
para a ALS Association, que combate a ELA, viralizou na internet e foi responsável
por arrecadar US$ 115 milhões para a instituição norte-americana.
(O TEMPO - Saúde e Ciência)
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