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quarta-feira, 18 de março de 2015

Gargalo ambiental no estado

Emanuel Alencar - O Globo
(imagem da internet, meramente ilustrativa)
RIO — Desde a fundação da antiga Feema, que completa quatro décadas na próxima terça-feira, até a remodelação da estrutura ambiental do Estado do Rio, em 2009, com a criação do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), um discurso comum tem sido encampado por gestores da área: a necessidade de destravar os licenciamentos. 

O desafio, no entanto, nunca foi superado. Atualmente, há 4.500 processos esperando para ser analisados por técnicos da Diretoria de Licenciamento Ambiental. São licenças as mais diferentes, como para postos de gasolina e lojas. A lista inclui ainda outorgas para uso de água de residências e renovação de autorizações para médios e grandes empreendimentos.

É tanto papel que, mesmo se fosse montada uma força-tarefa inédita, seria necessário conceder 12 licenças por dia — incluindo fins de semana — para acabar com a fila em um ano.

Em 2009, conforme mostra uma publicação da FGV Projetos, o órgão ambiental estadual emitiu 1.800 licenças. Em 2013, o número subiu para quatro mil, um avanço de 122%. A descentralização das autorizações, estabelecida por lei federal de 2011, acabou dando aos municípios mais poder. A partir daquele ano, empreendimentos com menor impacto ambiental passaram a ser licenciados por prefeituras. Não foi o suficiente, no entanto, para resolver os inúmeros gargalos do Inea.

Os processos se tornaram ainda mais demorados depois da troca de comando na Diretoria de Licenciamento, há dois meses, quando Ana Cristina Henney foi substituída por José Maria Mesquita Junior. Ambos são considerados técnicos experientes.

O principal entrave está na Gerência de Licenciamento de Recursos Hídricos (Gelirh), responsável pelas outorgas de água e pela demarcação das faixas marginais de proteção (FMPs) para qualquer construção nas proximidades de canais, rios e lagoas. Uma lei estadual de 1987 diz que todo empreendimento nessas condições deve manter intactas faixas de terra necessárias à proteção e à conservação dos cursos hídricos. A distância mínima varia de 1,5 a dez metros, dependendo do tipo de rio. Como só há dois técnicos responsáveis por fazer essas demarcações, com base em mapas, os processos chegam a levar dois anos. Há um déficit nesse setor de pelo menos dez profissionais.

— Eu tenho dez processos parados na Gelirh. Nem sei mais o que dizer para meus clientes — diz um consultor ambiental, que, assim como outros interessados, não se identifica com medo de ter a conclusão do seu processo protelada ainda mais.

Segundo Marilene Ramos, ex-presidente do Inea, a demanda por novos licenciamentos continua crescendo, um sinal de que, além de novos empreendimentos, há muitas atividades procurando regularização. Ela reconhece que a falta de salários atraentes acaba por gerar mais dificuldades para o preenchimento de quadros técnicos no licenciamento estadual. Nos últimos cinco anos, a Diretoria de Licenciamento do Inea perdeu 50 técnicos.

Há ainda, acrescenta Marilene, questões burocráticas que só existem no Estado do Rio. Um dos exemplos é a duplicação da BR-101 RJ/Norte até a divisa com o Espírito Santo. Coube ao órgão ambiental fazer os cálculos de quais seriam as larguras e alturas das pontes, de forma a que elas não causassem cheias.

— Uma obra essencial para o estado acabou levando muito mais tempo do que queríamos, porque o órgão ambiental teve que fazer mapeamentos de dezenas de pontes que cruzavam rios. Cabe ao Inea licenciar qualquer empreendimento que esteja à beira de um simples riacho. Esse tem sido um processo extremamente vagaroso — reconhece Marilene.

EMPRESÁRIO CITA PREJUÍZOS
Nem casas simples se livram da burocracia. Um exemplo é a cidade de Angra dos Reis, na Costa Verde, na qual milhares de residências captam água do lençol freático, ou seja, não têm sistemas formais de abastecimento. 

O licenciamento da captação de água do subsolo também cabe ao Inea. Para toda a região de Angra e Paraty, segundo um empresário ouvido pelo GLOBO, há apenas quatro técnicos do setor atuando. Outro caso à espera de uma solução definitiva é o da barragem de Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu. Orçado em R$ 230 milhões, o projeto do governo do estado, que tem o objetivo de garantir a oferta de água a longo prazo para São Gonçalo e Niterói, está engavetado há mais de um ano. Além da licença, outro entrave é a desapropriação de 283 propriedades na área.

Sob condição de anonimato, um empresário diz que a demora no licenciamento implicou prejuízos econômicos. X. afirma que está há seis meses na luta por uma licença.

— As empresas que necessitam dessas licenças para operar têm que arcar com seus custos, como salários, encargos, IPVA, IPTU, luz, telefone e todas as outras despesas operacionais. O desespero é grande, pois o tempo vai passando, os desembolsos não param e têm de ser honrados. E não há como a empresa fazer receita, já que não pode atuar sem licença e não tem sequer previsão de quando conseguirá o documento — observa.

Ainda de acordo com o empresário, o governo do estado não pressiona o órgão ambiental a dar uma resposta mais eficiente às demandas:

— O governo, ao qual o Inea é subordinado, parece ignorar a situação e não cobra do órgão que faça o seu trabalho. O mínimo que se espera desse e de outros órgãos é que funcione. No caso do Inea, isso não acontece. Mesmo quando ainda estava funcionando, os prazos para concessão de uma licença eram enormes e injustificados.

O secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, admite os gargalos, mas ressalta que a “legislação do estado é a mais rigorosa do país”.

— Os empresários que reclamam da demora não têm motivo para não fornecer o número do processo para eu entender o que está acontecendo e de que forma posso ajudar. Meu gabinete é superacessível a esse tipo de demanda. Os relatos servem para vermos como melhorar processos — diz Corrêa.

ESPECIALISTA CRITICA LEGISLAÇÃO
Paulo Canedo, especialista em recursos hídricos e professor da Coppe/UFRJ, ressalta que a lei brasileira parte do pressuposto de que o cidadão vai cometer uma fraude, diferentemente do que acontece em países como a Inglaterra. Por esse motivo, os órgãos ambientais costumam fazer dezenas de exigências, o que acaba por emperrar os processos.

— As licenças são demoradas porque os técnicos precisam fazer muitos cálculos. Saber, por exemplo, se a obra será feita em área que alaga ou se vai provocar inundações. O ideal seria o empreendedor apresentar os estudos. Ainda assim, o órgão ambiental teria que fazer a conferência dos dados — afirma.

Advogado especialista em direito ambiental, Ricardo Zouein diz que a demora e a burocracia na concessão de licenças são um desafio para o novo secretário:

— Caso essas licenças não sejam concedidas num prazo razoável, o cidadão acaba ficando contra as causas ambientais.

Fonte: extra.globo.com





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