Emanuel
Alencar - O Globo
(imagem da internet, meramente ilustrativa) |
RIO — Desde
a fundação da antiga Feema, que completa quatro décadas na próxima terça-feira,
até a remodelação da estrutura ambiental do Estado do Rio, em 2009, com a
criação do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), um discurso comum tem sido
encampado por gestores da área: a necessidade de destravar os licenciamentos.
O
desafio, no entanto, nunca foi superado. Atualmente, há 4.500 processos
esperando para ser analisados por técnicos da Diretoria de Licenciamento
Ambiental. São licenças as mais diferentes, como para postos de gasolina e
lojas. A lista inclui ainda outorgas para uso de água de residências e
renovação de autorizações para médios e grandes empreendimentos.
É tanto
papel que, mesmo se fosse montada uma força-tarefa inédita, seria necessário
conceder 12 licenças por dia — incluindo fins de semana — para acabar com a
fila em um ano.
Em 2009,
conforme mostra uma publicação da FGV Projetos, o órgão ambiental estadual
emitiu 1.800 licenças. Em 2013, o número subiu para quatro mil, um avanço de
122%. A descentralização das autorizações, estabelecida por lei federal de
2011, acabou dando aos municípios mais poder. A partir daquele ano,
empreendimentos com menor impacto ambiental passaram a ser licenciados por
prefeituras. Não foi o suficiente, no entanto, para resolver os inúmeros
gargalos do Inea.
Os
processos se tornaram ainda mais demorados depois da troca de comando na
Diretoria de Licenciamento, há dois meses, quando Ana Cristina Henney foi
substituída por José Maria Mesquita Junior. Ambos são considerados técnicos
experientes.
O principal
entrave está na Gerência de Licenciamento de Recursos Hídricos (Gelirh),
responsável pelas outorgas de água e pela demarcação das faixas marginais de
proteção (FMPs) para qualquer construção nas proximidades de canais, rios e
lagoas. Uma lei estadual de 1987 diz que todo empreendimento nessas condições
deve manter intactas faixas de terra necessárias à proteção e à conservação dos
cursos hídricos. A distância mínima varia de 1,5 a dez metros, dependendo do
tipo de rio. Como só há dois técnicos responsáveis por fazer essas demarcações,
com base em mapas, os processos chegam a levar dois anos. Há um déficit nesse
setor de pelo menos dez profissionais.
— Eu tenho
dez processos parados na Gelirh. Nem sei mais o que dizer para meus clientes —
diz um consultor ambiental, que, assim como outros interessados, não se
identifica com medo de ter a conclusão do seu processo protelada ainda mais.
Segundo
Marilene Ramos, ex-presidente do Inea, a demanda por novos licenciamentos
continua crescendo, um sinal de que, além de novos empreendimentos, há muitas
atividades procurando regularização. Ela reconhece que a falta de salários
atraentes acaba por gerar mais dificuldades para o preenchimento de quadros
técnicos no licenciamento estadual. Nos últimos cinco anos, a Diretoria de
Licenciamento do Inea perdeu 50 técnicos.
Há ainda,
acrescenta Marilene, questões burocráticas que só existem no Estado do Rio. Um
dos exemplos é a duplicação da BR-101 RJ/Norte até a divisa com o Espírito
Santo. Coube ao órgão ambiental fazer os cálculos de quais seriam as larguras e
alturas das pontes, de forma a que elas não causassem cheias.
— Uma obra
essencial para o estado acabou levando muito mais tempo do que queríamos,
porque o órgão ambiental teve que fazer mapeamentos de dezenas de pontes que
cruzavam rios. Cabe ao Inea licenciar qualquer empreendimento que esteja à
beira de um simples riacho. Esse tem sido um processo extremamente vagaroso —
reconhece Marilene.
EMPRESÁRIO
CITA PREJUÍZOS
Nem casas
simples se livram da burocracia. Um exemplo é a cidade de Angra dos Reis, na
Costa Verde, na qual milhares de residências captam água do lençol freático, ou
seja, não têm sistemas formais de abastecimento.
O licenciamento da captação de
água do subsolo também cabe ao Inea. Para toda a região de Angra e Paraty,
segundo um empresário ouvido pelo GLOBO, há apenas quatro técnicos do setor
atuando. Outro caso à espera de uma solução definitiva é o da barragem de
Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu. Orçado em R$ 230 milhões, o projeto do
governo do estado, que tem o objetivo de garantir a oferta de água a longo
prazo para São Gonçalo e Niterói, está engavetado há mais de um ano. Além da
licença, outro entrave é a desapropriação de 283 propriedades na área.
Sob
condição de anonimato, um empresário diz que a demora no licenciamento implicou
prejuízos econômicos. X. afirma que está há seis meses na luta por uma licença.
— As
empresas que necessitam dessas licenças para operar têm que arcar com seus
custos, como salários, encargos, IPVA, IPTU, luz, telefone e todas as outras
despesas operacionais. O desespero é grande, pois o tempo vai passando, os
desembolsos não param e têm de ser honrados. E não há como a empresa fazer
receita, já que não pode atuar sem licença e não tem sequer previsão de quando
conseguirá o documento — observa.
Ainda de
acordo com o empresário, o governo do estado não pressiona o órgão ambiental a
dar uma resposta mais eficiente às demandas:
— O
governo, ao qual o Inea é subordinado, parece ignorar a situação e não cobra do
órgão que faça o seu trabalho. O mínimo que se espera desse e de outros órgãos
é que funcione. No caso do Inea, isso não acontece. Mesmo quando ainda estava
funcionando, os prazos para concessão de uma licença eram enormes e
injustificados.
O
secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, admite os gargalos, mas ressalta
que a “legislação do estado é a mais rigorosa do país”.
— Os
empresários que reclamam da demora não têm motivo para não fornecer o número do
processo para eu entender o que está acontecendo e de que forma posso ajudar.
Meu gabinete é superacessível a esse tipo de demanda. Os relatos servem para
vermos como melhorar processos — diz Corrêa.
ESPECIALISTA
CRITICA LEGISLAÇÃO
Paulo
Canedo, especialista em recursos hídricos e professor da Coppe/UFRJ, ressalta
que a lei brasileira parte do pressuposto de que o cidadão vai cometer uma
fraude, diferentemente do que acontece em países como a Inglaterra. Por esse
motivo, os órgãos ambientais costumam fazer dezenas de exigências, o que acaba
por emperrar os processos.
— As
licenças são demoradas porque os técnicos precisam fazer muitos cálculos.
Saber, por exemplo, se a obra será feita em área que alaga ou se vai provocar
inundações. O ideal seria o empreendedor apresentar os estudos. Ainda assim, o
órgão ambiental teria que fazer a conferência dos dados — afirma.
Advogado
especialista em direito ambiental, Ricardo Zouein diz que a demora e a
burocracia na concessão de licenças são um desafio para o novo secretário:
— Caso
essas licenças não sejam concedidas num prazo razoável, o cidadão acaba ficando
contra as causas ambientais.
Fonte: extra.globo.com
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